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a ilusão é pensar que você está apenas
lendo este poema.
a realidade é que isto é
mais que um 
poema.
isto é a faca do mendigo.
isto é uma tulipa.
isto é um soldado marchando
sobre Madrid.
isto é você no seu
leito de morte.
isto é Li Po rindo
lá embaixo.
isto não é a porra
de um poema.
isto é um cavalo adormecido.
uma borboleta em 
seu cérebro.
isto é o circo
do diabo.
você não está lendo isto 
numa página.
a página é que está lendo
você.
sacou?
é como uma cobra.
é uma águia faminta
rondando o quarto.
isto não é um poema.
poemas são um tédio,
eles te fazem
dormir.
estas palavras te arrastam
para uma nova
loucura.
você foi abençoado,
você foi atirado
num
lugar que cega
de tanta luz.
o elefante sonha 
com você 
agora.
a curva do espaço
se curva e
ri.
você já pode morrer agora.
você já pode morrer do jeito
que as pessoas deveriam 
morrer:
esplêndidas,
vitoriosas,
ouvindo a música,
sendo a música,
rugindo,
rugindo,
rugindo.



Bandeira real



noites ruins não podem ser curadas com poemas ruins, você
tem que esperar, olhar para a maçaneta, ler o jornal
todo de novo

você não é o único a ter uma noite ruim, este é um
mundo cheio de noites ruins

e às vezes basta ter uma máquina de escrever
e
fumar um cigarro
e só olhar para a máquina

e divagar sobre a sorte que você teve
com essa máquina e
com outras máquinas

no entanto
uma está mimada
uma quer
mais e mais

e agora meus dedos
batem nas teclas
e contam para você e para
ela

sobre tudo isso.



Olá



às vezes mesmo escrever não ajuda
e você fica sozinho com qualquer coisa que esteja
matando você
e a estupidez das
paredes penetra
em você
e lá no canto está a
garrafa - 
sua última amiga, sua última amante,
sou outro teclado.

olá.




Olha isso!



minha vida toda
andando
cá e lá
ouvi vozes - 
geralmente duias pessoas
se aproximando de mim:
"Jesus Cristo, olha só aquele cara!"
ou:
"meu deus, você viu aquilo?"

acontece nos supermercados
nos hipódromos
nos estacionamentos
nas lojas de departamentos
ou quando estou caminhando
rua abaixo:
"ei, você viu aquele cara?"

evidentemente existe outro jeito
com o qual uma pessoa deva se parecer.

eles me xingam
quando passo:
"aquele filho da puta!
você viu aquele fudido?"

continuo andando.

não há muito mais que eu
possa fazer.


Cupons



cigarros umedecidos por cerveja
da noite passada
você acende um
se engasga
abre a porta em busca de ar
e junto à entrada
está um pardal morto
sua cabeça e seu peito
arrancados.

pendurado à maçaneta
há um anúncio da All American
Burger
que consiste de alguns cupons
que
dizem
que na compra
de um hambúrguer
de 12 de fev. a 15 de fev.
você ganha de graça
um pacote de batatas
fritas médio e um
copo pequeno de coca-cola.

pego o anúncio
embrulho o pardal com ele
levo até a lata de lixo
e despejo lá
dentro.

veja:
renunciando a batatas fritas e coca
para ajudar a manter
minha cidade
limpa.



O que eles querem



Vallejo escrevendo sobre
solidão enquanto morria de
fome;
a orelha de Van Gogh rejeitada por uma
puta;
Rimbaud correndo para a África
em busca de ouro e encontrando
um caso incurável de sífilis;
Beethoven ficou surdo;
Pound foi arrastado pelas ruas
numa gaiola;
Chatterton tomou veneno para rato;
o cérebro de Hemingway pingando dentro
do suco de laranja;
Pascal cortando os pulsos na banheira;
Artaud trancado com os loucos;
Dostoiévski de pé contra um muro;
Crane pulando na hélice de um barco;
Lorca baleado na estrada pelo exército
espanhol;
Berryman pulando de uma ponte;
Burroughs atirando na mulher;
Mailer esfaqueando a sua;
– é isso o que eles querem:
o danado dum show
uma placa luminosa
no meio do inferno.
é isso o que eles querem,
aquele bando de
estúpidos
inarticulados
tranquilos
seguros
admiradores de
carnavais.



Esta noite



“seus poemas sobre as garotas ainda estarão por aí
daqui a 50 anos quando as garotas já tiverem ido”,
meu editor me telefona.

caro editor:
parece que as garotas já se
foram.

entendo o que o senhor diz

mas me dê uma mulher verdadeiramente viva
nesta noite
cruzando o piso em minha direção

e o senhor pode ficar com todos os poemas

os bons
os maus
ou qualquer outro que eu venha a escrever
depois deste.

entendo o que o senhor diz.

O senhor entende o que eu digo?



Um gato é um gato é um gato é um gato



ela está assobiando e batendo palma
para os gatos
às 2 da manhã
enquanto fico aqui sentado
com meu vinho e meu
Beethoven

"estão só rondando", eu
digo a ela

Beethoven chocalha seus ossos
majestoso

e os malditos gatos
não estão nem se lixando
para
nada disso

e

caso se lixassem
eu não gostaria deles
tanto 
assim:

as coisas começam a perder seu
valor natural
quando vão se aproximando
da empreitada
humana.

nada contra 
Beethoven:

ele foi ótimo
sendo o que 
era

mas eu nunca ia querer
Beethoven
no meu tapete
com uma perna
por cima da cabeça
enquanto
ficava
lambendo
o saco.





Aprisionado



no inverno caminhando em meu
teto meus olhos do tamanho de luzes de
poste. tenho quatro patas como um rato mas
lavo minhas roupas íntimas – barbeado e
de ressaca e de pau duro e sem advogado.
tenho cara de esfregão. canto
canções de amor e carrego aço.

preferiria morrer a chorar. não suporto
a matilha não posso viver sem ela.
inclino minha cabeça contra o refrigerador
branco e quero gritar como
o último lamento de vida para todo sempre mas
sou maior do que as montanhas.

Orador debaixo de mau tempo



por Deus, não sei o que
fazer.
elas são tão legais de se ter por perto.
elas têm um jeito de tocar
as bolas
e olhar para o pau muito
seriamente
virando-o
puxando-o
examinando cada parte
enquanto seus longos cabelos caem
sobre a sua barriga.

não é apenas o foder e o chupar
que alcançam o interior do homem
e o amaciam, são os extras,
está tudo nos extras.

agora é noite e está chovendo
e não há ninguém
estão todas em outros lugares
examinando coisas
em novos quartos
com novos humores
mesmo que em velhos
quartos.

seja o que for, é noite e está chovendo,
uma chuva torrencial, maldita e
pesada...

muito pouco a fazer.
já li o jornal
paguei a conta do gás
a conta de luz
a conta do telefone.
continua chovendo.

elas amaciam um homem
e então o deixam a nadar
em seu próprio suco.

preciso de uma vagabunda no velho estilo
batendo à porta esta noite
fechando seu guarda-chuva verde,
gotas de chuva enluarada sobre
sua bolsa, dizendo, “merda, cara,
não consegue achar uma música melhor do que
essa no seu rádio?
e aumente o aquecimento...”

é sempre quando um homem está tomado
de amor e tudo
mais
que continua chovendo
alagadoura
encharcante
chuva
boa para as árvores e para a
grama e para o ar...
boa para coisas que
vivem sozinhas.

eu daria qualquer coisa
pela mão de uma fêmea em mim
esta noite.
elas amaciam um homem e
depois o deixam
escutando a chuva.



Vidas no lixo



o vento sopra forte esta noite
e é um vento frio
e eu fico pensando nos
garotos na rua.
espero que alguns tenham uma garrafa 
de tinto.

é quando você está na rua
que percebe que
tudo
tem dono
e que há fechaduras em 
tudo.
é assim que uma democracia
funciona:
você obtém o que puder,
tenta manter o que obteve
e acrescenta algo 
se possível.

é assim que uma ditadura
funciona também
só que ela ou escraviza ou
destrói seus
desamparados.

nós simplesmente esquecemos
os nossos.

nos dois casos
é um vento
forte
e frio.




Uma pequena mancha de insensível amarelo



você não pode me dizer que é a melhor época para a poesia,
você não pode me dizer que Marciano não conseguiria pegar
Louis, você não pode me dizer que Hitler era um louco, você
não pode me dizer que os cães latem apenas à noite;
você não pode me dizer que a chama não machuca a mariposa,
você não pode me dizer que aquelas pessoas ali na esquina
paradas e piscando os olhos são
humanas; você não pode me dizer que amor é mais que a
vida, você não pode se esticar no mesmo colchão que eu
e dizer, "eu te amo"
porque - 
estamos sem cigarros e sem amor e minhas
pilhas estão acabando e meus ossos doem
e Lorca está morto e
Neruda está morto e Cristo com seus olhos de avelã
foi fisgado como um peixe
por homenzinhos de unhas sujas.
estamos sem vinho e amor e sorte. e você não pode
me dizer coisa alguma. então por que você não se levanta e dá algumas
pancadas na alavanca da descarga? ou isso vai ficar correndo assim
para sempre.





Castanho claro



um olhar castanho-claro

esse estúpido, vazio e maravilhoso
olhar castanho-claro.

darei um jeito
nele.

você não precisa mais
me enganar
com seus truques
de Cleópatra
de cinema

já se deu conta
de que se eu fosse uma calculadora
eu poderia entrar em pane
registrando
as infinitas vezes que você usou
esse olhar castanho-claro?

não que não seja o que há de melhor
esse seu olhar castanho-claro.

algum dia um filho-da-puta louco
irá matá-la

e então você gritará meu nome
e finalmente entenderá
o que já devia ter entendido

há muito
tempo.



Garotas de meia-calça



estudantes de meia-calça
sentadas nas paradas de ônibus
parecendo cansadas aos 13
com seus batons de framboesa.
está quente sob o sol
e o dia na escola foi
maçante, e ir pra casa é
maçante, e eu
dirijo meu carro
e dou uma espiada naquelas pernas quentes.
seus olhos não estão focados
em nada –
elas foram avisadas sobre
os veteranos tarados e
cruéis; eles não desistirão
assim tão fácil.
e ainda assim é maçante
passar aqueles minutos no
banco e os anos em
casa, e os livros que elas
carregam são maçantes e aquilo de que se
alimentam é maçante, e até mesmo os
veteranos tarados e cruéis são
maçantes.

as garotas de meia-calça esperam,
esperam pelo momento e hora
exatos para só então se mover
e certamente conquistar.

circulo com o meu carro
espiando suas pernas
satisfeito por saber que jamais farei
parte nem de seus paraísos nem de
seus infernos. mas os batons
escarlates naquelas tristes bocas
que esperam! seria delicioso
beijar cada uma delas, uma vez que fosse, por completo,
e então devolvê-las.
mas o ônibus as
pegará primeiro.



Beleza perdida



no máximo, você era
o pensamento sensível de uma mão sensível
e quando
ante o amor das flores estou inerte e ausente -
enquanto a aranha bebe a hora da colheita -
tocam os sinos cinzentos,
deixe um sapo dizer
                                    uma voz está morta;
deixe as feras da floresta,
os dias que tiveram ódio disso,
as viúvas teimosas de luto resignado
planejarem uma pequena rendição em algum lugar
entre Mexicali e Tampa;
você se foi, cigarros fumados, pães fatiados,
e a menos que isso seja tido como sofrimento forçado:
ponha a aranha no vinho,
esmague a fina cabeça que continha pouca iluminação,
como se fosse menos que um beijo traiçoeiro,
e me inscreva para a última dança
você muito mais morta que eu:
eu sou um prato para suas cinzas,
eu sou punho para seu ar.

o que existe de maior quanto à beleza
é descobrir que se foi.





Aquelas garotas que seguimos no caminho de casa



no ensino médio as duas garotas mais bonitas
eram as irmãs Irene e
Louise:
Irene era um ano mais velha, um pouco mais alta
mas era difícil escolher entre
as duas
elas não eram apenas bonitas mas
espantosamente lindas
tão lindas
que os garotos mantinham-se longe:
tinham medo de Irene
e Louise
que não eram nada inacessíveis;
até mesmo mais amigáveis que a maioria
mas
que pareciam se vestir um pouco
diferente das outras garotas:
sempre usavam salto alto,
blusinhas,
saias,
acessórios novos
a cada dia;
e
uma tarde
meu parceiro, Baldy, e eu
as seguimos da escola
até em casa;
você vê, nós éramos tipo os
marginais do pedaço
portanto isso já era algo
mais ou menos
esperado:
caminhando por uns dez ou doze metros
atrás delas
não dissemos nada
apenas as seguimos
observando
o seu gingar voluptuoso,
o balanço de suas
ancas.

nós gostamos tanto que
passamos a segui-las até em casa
todo
dia.

quando elas entravam
nós ficávamos lá fora na calçada
fumando e conversando

“um dia”, eu disse a Baldy,
“elas vão nos chamar para
entrar e vão transar
com a gente”

“você realmente acredita nisso?”

“claro”

agora
50 anos depois
eu posso te dizer
que elas nunca chamaram
– não importa todas as histórias
que nós contamos aos garotos;
sim, é um sonho
que te fazia seguir
na época e te faz seguir
agora.



O melhor da raça



Não há nada para
discutir
Não há nada para
lembrar
Não há nada para
esquecer

É triste
e
não é
triste

Parece que a
coisa mais
sensata
que uma pessoa pode
fazer
é
se sentar com um drink
na mão
enquanto as paredes
lançam sorrisos
de despedida

Uns passam por
tudo isso
com uma certa
quantidade de
eficiência e
bravura
e então
vão embora

Alguns aceitam
a possibilidade de
Deus 
os ajudar a suportar

Outros
aguentam o tranco

E para estes

Eu bebo esta noite.



Melancolia



a história da melancolia
inclui a todos nós.

eu, eu escrevo em folhas sujas
enquanto encaro fixamente as paredes azuis
e o nada.

estou tão acostumado à melancolia
que
a cumprimento como a uma velha
amiga.

farei agora 15 minutos de sofrimento
pela ruiva perdida,
digo aos deuses.

faço isso e me sinto um tanto mal
bastante triste,
então me levanto
REVIGORADO
mesmo sabendo que nada está
resolvido.

isto é o que eu ganho por chutar
a religião no rabo.

deveria ter chutado o rabo
da ruiva
onde estão seu cérebro e seu pão com
manteiga
na...

mas não, eu estava me sentindo triste
com tudo:
a ruiva perdida foi apenas outro
golpe numa longa vida
de perdas...

escuto uns tambores no rádio agora
e dou uma risada.

há alguma coisa errada comigo
além da
melancolia.



Viagem à praia



os homens fortes
os homens musculosos
lá na praia eles
se sentam
bronzeados como chocolate
os pesos
espalhados ao seu redor e
intocados

ficam sentados enquanto
as ondas avançam e
recuam

ficam sentados enquanto o
mercado de ações
ergue e destrói
homens e famílias

ficam sentados enquanto
um apertar de botão
poderia transformar
seus caralhos
em palitos de fósforos
pretos e enrugados

ficam sentados enquanto
suicidas em quartos verdes
os trocam por espaço

ficam sentados enquanto antigas
Miss Américas
choram diante de espelhos
enrugados

ficam sentados
ficam sentados com menos
vivacidade que macacos
e minha mulher para e
os olha:
“uuuu uuuu uuuu”, ela
diz.

me afasto com
minha mulher enquanto as ondas
avançam e recuam.

“há alguma coisa errada
com eles”, ela diz, “o que
é?”

“o amor deles só corre em
uma direção.”

as gaivotas giram e
o mar avança e recua

e nós os abandonamos
lá atrás
desperdiçando o tempo que lhes
resta
o momento presente
as gaivotas
o mar
a areia.




Sina do Beija-Flor



reduzidos a essa vida, nitidamente, andando soltos
ou enjaulados,
reduzidos a essa vida, como se entalhados em
granito.
reduzidos a isso, como os primeiros raios do sol
passam pelas cortinas e como 
seus sapatos esperam por você.
reduzidos a isso, através das sinfonias 
e do trânsito,
através da torrente das horas.
reduzidos a isso, através das estações do ano
e das vozes e dos latidos dos
cachorros.
reduzidos a isso, reduzidos a isso
como passageiros do avião em queda.
reduzidos a isso, enquanto você anda, enquanto
você fala, enquanto você dorme.
reduzidos a isso, enquanto os suicidas se afogam,
enquanto os asilos se incendeiam,
reduzidos a isso, reduzidos a isso, reduzidos a
isso, como o gato brinca com a morte do rato.
enquanto nos movemos através disso ou pensamos
a respeito ou não pensamos,
estamos reduzidos a isso,
enquanto o sol congela dentro de nós,
enquanto chutamos, nos contorcemos, enquanto fazemos pequenas
escolhas ou enquanto elas são feitas por 
nós,
reduzidos a isso, reduzidos a isso, reduzidos e
isso,
reduzidos.



Este hábito



é feito ao se viver com as mulheres, uma após a outra,
e finalmente sem elas;
é feito ao parar na janela e assistir um cachorrinho passando;
é feito em uma lanchonete enquanto você lê os
resultados das corridas e come um sanduíche;
é feito enquanto você fala com sua filha
que agora é uma mulher adulta na faculdade;
é feito ao semear o jardim enquanto
você se recupera da confusão da véspera;
depois vêm as palavras, as malditas e amadas
palavras vêm mais e mais
enquanto você se senta sozinho e
datilografa.

"posso te ouvir datilografando de noite," diz meu vizinho.

"oh, me desculpe..."

"não," ele diz, "é um som agradável."

ele está certo, é mesmo.
e quando eu não faço esse som por 
dois ou três dias
me torno aflito
minha face fica com uma cor doentia, e - 
acredite em mim - 
tenho visões da minha morte.

mas datilografando sou
imortal.

bem, talvez não imortal.
mas este hábito
esta velha máquina de escrever e
este velho
vivem bem juntos.





É difícil quando bananas comem macacos



em parte é o fervor e em parte a poça de
lama e em parte as vozes - 
(com os rostos eu já me acostumei; os anos foram generosos
comigo)
mas quando os rostos
falam
não há prazer em permanecer na multidão.

talvez o homem verdadeiramente original não exista, eu
nunca o encontrei.

às vezes acho que será o manobrista do estacionamento. ele
caminha em minha direção. ele sorri. ah, é agora, eu
penso

então ele diz, "daí, campeão," ou alguma outra coisa igualmente chã e
idiota.

eu respondo com uma frase que navega sobre
seu ombro esquerdo e se apaga
em uma galeria verde em direção à 
rua.

lhe dou minhas chaves
lhe dou meu carro

ele sai dirigindo e eu caminho para dentro do
lugar.

a recepcionista
chega. "sim?" ela
diz.

sim, o quê? preciso comer para continuar
vivo. sigo sua bunda
(que tem um certo charme inferior) mas continuo
pensando
terei que dar uma gorjeta para aquele filho-da-puta lá fora
enquanto ele deveria ser
guilhotinado.




Loucura?



olha, ele disse, admita.

o quê? perguntei.

quando você vê aquela gorda
no supermercado que está
escolhendo laranjas, não
se sente a fim de ir lá e
espremer aquelas ancas feias
bem forte
apenas para ouvi-la gritar?

do que diabos você está falando, 
cara? perguntei.


o quando o garçom te traz
teu jantar, não pensa
por um instante que poderia
matá-lo?

não antes do jantar, respondi.

o que estou querendo dizer com isso,
ele continuou,
é que há uma linha muito tênue
entre o que chamamos de sanidade e
o que chamamos de loucura
e que o esforço que fazemos para 
permanecer no lado são
só é feito para que não sejamos
punidos pela
sociedade.
senão, iríamos
frequentemente cruzar essa linha e
as coisas seriam muito mais
interessantes.

eu não sei do que diabos
você está falando, cara,
eu disse a ele.

ele apenas suspirou, me olhou
e disse, deixa pra lá, amigo.






Quatro e meia da manhã



os barulhos do mundo
com passarinhos vermelhos,
são quatro e meia da
manhã,
são sempre
quatro e meia da manhã,
e eu escuto
meus amigos:
os lixeiros
e os ladrões
e gatos sonhando com
minhocas,
e minhocas sonhando
os ossos
do meu amor,
e eu não posso dormir
e logo vai amanhecer,
os trabalhadores vão se levantar
e eles vão procurar por mim
no estaleiro 
e dirão:
“ele tá bêbado de novo”,
mas eu estarei adormecido,
finalmente, 
no meio das garrafas e
da luz do sol,
toda a escuridão acabada,
os braços abertos como
uma cruz,
os passarinhos vermelhos
voando,
voando,
rosas se abrindo no fumo 
e
como algo esfaqueado 
cicatrizando,
como 
40 páginas de um romance ruim,
um sorriso bem na
minha cara de idiota.





O estouro



demais
tão pouco

tão gordo
tão magro
ou ninguém.

risos ou
lágrimas

odiosos
amantes

estranhos com faces como
cabeças de
tachinhas

exércitos correndo através
de ruas de sangue
brandindo garrafas de vinho
baionetando e fodendo
virgens.

ou um velho num quarto barato
com uma fotografia de M. Monroe.

há tamanha solidão no mundo
que você pode vê-la no movimento lento dos
braços de um relógio.

pessoas tão cansadas
mutiladas
tanto pelo amor como pelo desamor.

as pessoas simplesmente não são boas umas com as outras
cara a cara.

os ricos não são bons para os ricos
os pobres não são bons para os pobres.

estamos com medo.

nosso sistema educacional nos diz que
podemos ser todos
grandes vencedores.

eles não nos contaram
a respeito das misérias
ou dos suicídios.

ou do terror de uma pessoa
sofrendo sozinha
num lugar qualquer

intocada
incomunicável

regando uma planta.

as pessoas não são boas umas com as outras.
as pessoas não são boas umas com as outras.
as pessoas não são boas umas com as outras.

suponho que nunca serão.
não peço para que sejam.

mas às vezes eu penso sobre
isso.

as contas dos rosários balançarão
as nuvens nublarão
e o assassino degolará a criança
como se desse uma mordida numa casquinha de sorvete.

demais
tão pouco

tão gordo
tão magro
ou ninguém

mais odiosos que amantes.

as pessoas não são boas umas com as outras.
talvez se elas fossem
nossas mortes não seriam tão tristes.

enquanto isso eu olho para as jovens garotas
talos
flores do acaso.

tem que haver um caminho.

com certeza deve haver um caminho sobre o qual ainda
não pensamos.

quem colocou este cérebro dentro de mim?

ele chora
ele demanda
ele diz que há uma chance.

ele não dirá
“não”.