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Do jeito que é agora



te digo
já vivi com algumas mulheres deslumbrantes
e estava tão enfeitiçado por aquelas
lindas criaturas que
minhas sobrancelhas tremiam.

mas eu preferia dirigir até Nova Iorque
de marcha-ré
do que viver com qualquer uma delas
de novo.

a próxima estupidez clássica
será a história
daqueles caras
que herdaram meu legado
feminino.

no caso deles
assim como no meu
eles descobrirão
que a loucura
é causada por não
ficar tempo o suficiente
sozinho.



Por que todos os seus poemas são pessoais?




por que todos os seus poemas são pessoais?, ela
falou, não admira que ela te odiasse...
qual?, falei. você sabe
qual... e nunca mais deixe
água na sua pia, e você não sabe
nem grelhar uma carne; minha senhoria disse
que você é bonitão e queria saber
por que não voltei a ficar com
você...


você contou pra ela?

daria pra contar que você é presunçoso
e alcoólatra? daria pra contar sobre
o dia em que precisei te recolher

caído de costas no chão
quando você brigou?
daria pra contar
que você bate uma toda hora?
daria pra contar
que você se acha
um sr. Vanbilderass?

por que você não vai pra casa?
eu sempre te amei, você sabe,
eu sempre te amei!


ótimo. um dia eu escrevo um poema sobre
isso. um poema bem

pessoal.










Câncer



encontrei seu quarto no alto de uma
escada.
ela estava sozinha.
"olá Henry", ela disse, e depois,
você sabe, eu odeio esse quarto, ele não
tem janelas.
eu estava com uma ressaca daquelas.
o cheiro era insuportável,
sentia-me prestes a
vomitar.
"eles me operaram dois dias atrás",
ela disse. "me senti melhor no dia
seguinte, mas agora está tudo igual a antes, talvez até
pior."
sinto muito, mãe.
"sabe, você estava certo, seu pai
é um homem terrível."
pobre mulher. um marido brutal e
um filho alcoólatra.
"me desculpe, mãe, eu volto
logo..."
o cheiro havia me impregnado,
meu estômago pulava.
saí do quarto
e desci metade do lance de escadas,
me sentei ali
agarrado ao corrimão,
respirando o ar
puro.
a pobre mulher.
segui respirando e
mantendo o controle para não
vomitar.
me levantei e voltei a subir os
degraus em direção ao quarto.
"ele tinha me mandado para um
hospício, você
sabia?"
"sim. eu informei a eles
que tinham pegado a pessoa
errada."
"você parece doente, Henry, está tudo bem
contigo?"
"não estou num bom dia, mãe. Volto
para ver você
amanhã."
"tudo bem, Henry..."
fiquei de pé, fechei a porta, em seguida
desci a escada.
ganhei a rua, cheguei a um
roseiral.
soltei tudo sobre o
roseiral.
pobre e desgraçada mulher...
no dia seguinte cheguei com
flores.
subi a escada até a
porta.
havia uma guirlanda na
porta.
tentei abrir a porta mesmo assim.
estava trancada.
desci os degraus
cruzei as roseiras e seu jardim
e cheguei à rua
onde havia estacionado meu
carro.
duas garotinhas
entre 6 e 7 anos
voltavam da escola para casa.
"desculpem-me, senhoritas, mas vocês
gostariam de ganhar umas flores?"
elas pararam e me
encararam.
"tome", estiquei o buquê à mais alta
das garotas. "agora, vocês
dividam, por favor, dê para sua amiguinha
a metade delas."
"obrigada", disse a mais
alta, "elas são
lindas."
"sim, são mesmo", disse a
outra, "muito
obrigada."
elas se afastaram descendo a rua
e eu entrei no meu carro,
dei a partida, e
dirigi de volta para o meu
canto.



Não tem remédio pra isso



há um lugar no coração que
nunca será preenchido

um espaço

e mesmo nos
melhores momentos
e
nos melhores 
tempos

nós saberemos

nós saberemos
mais do que 
nunca

há um lugar no coração que
nunca será preenchido

e

nós vamos esperar
e
esperar

nesse
espaço.





Lá vamos nós de novo


caminhei até meu carro
e lá estava um bilhete sob o
limpador de pára-brisas:
"ei velhinho,
me liga qualquer dia.
você sabe 
meu número está na
lista."
e ela assinou:
"olhos castanhos claros."
eu sabie quem era,
as letras grandes eram imediatamente
reconhecíveis sem a
assinatura.
ela me pregara na cruz por um
ano.
ela viera depois daquela que me
pregara na cruz por cinco anos.
rasguei o bilhete.
então a mais recente veio andando
até o carro.
"pronto pra ir, paizinho?" ela perguntou.
"pronto pra ir," eu disse.
entramos no carro e saímos.
precisávamos de limões, pão, peixe,
verduras, azeite de oliva, vinho e
papel higiênico,
a ração do gato e talvez cebolas também.



Fuga



a melhor parte foi
baixar as
cortinas
estofar a campainha
com trapos
colocar o telefone
na
geladeira
e ir para a cama
por 3 ou 4
dias.

e a segunda melhor
parte
foi que
ninguém em momento algum
sentiu a minha
falta.



É claro



conforme os mais recentes estudos
científicos
leva 325 anos para a última
célula do cérebro
detonar-se.

agora eu percebo que
a maioria das garotas
que encontrei em bares
e trouxe para minha casa
estava mentindo sobre
sua
idade.

Especial de 1990



gasto pelos anos
cansado até a medula.
dançando na escuridão com a
escuridão,
o Garoto Suicida ficou
grisalho.

ah, os velozes verões
idos e partidos
para sempre!

estará a morte
me espreitando
agora?

não, é apenas meu gato,
desta
vez.



Não podemos


não podemos
vencer
sabemos que não podemos
vencer
fazer o certo e
vencer
fazer errado e
vencer

alguma outra pessoa irá
vencer

é o que acontecerá

mas aceitar isso é
impossível

como um gato que uma vez vi ser morto e
esfolado ante meus
olhos

e os rostos
humanos
assistindo



Um velho, morto no quarto





isso em cima de mim não é a morte
mas é tão real
e quando os proprietários cheios de vermes
batem querendo o aluguel
eu como nozes sob a camada protetora
de minha privacidade
e dou ouvidos a bateristas mais
importantes;
isso é tão real, isso é tão real
quanto o pardal com os ossos partidos
na boca do gato, expressando
mais do que simples
argumentos infelizes;
entre os dedos do pé eu encaro
as nuvens, os oceanos de desoladas
sepulturas...
e coço as minhas costas
e formo uma vogal
enquanto todas as minhas adoráveis mulheres
(esposas e amantes)
estouram como motores
esfumaçando mágoas
e explodindo num eclipse;
ossos são ossos
mas isso em cima de mim
quando rasgo a cortina
e caminho pelos tapetes da jaula,
isso em cima de mim
como uma flor e um banquete,
acredite
não é a morte e não é
a glória
e como os moinhos de vento de Quixote
cria um inimigo
movido pelos céus
contra um homem;
...isso em cima de mim,
grande deus,
isso em cima de mim
se enrolando como uma cobra,
aterrorizando meu amor às trivialidades,
uns chamam de Arte
uns chamam de Poesia;
isso não é a morte
mas morrer vai dissolver seu poder
e quando minhas mãos cinzas
deixarem cair uma última caneta desesperada
em algum quarto barato
lá, eles vão me encontrar
e jamais saberão
meu nome
minha intenção
nem o valor
de minha fuga.





Revelando a mágica



um bom poema é como uma cerveja gelada
quando você está mais a fim,
um bom poema é um sanduíche de presunto, quando você está
faminto,
um bom poema é uma arma quando
os bandidos te cercam,
um bom poema é algo que
te permite andar pelas ruas
da morte,
um bom poema pode fazer a morte
derreter feito manteiga,
um bom poema pode enquadrar a agonia e
pendurá-la na parede,
um bom poema pode fazer seu pé tocar
a China,
um bom poema pode fazer você cumprimentar
Mozart,
um bom poema permite você competir
com o diabo
e ganhar,
um bom poema pode quase tudo,
isso sem dizer que
um bom poema sabe quando
parar.






Sobre dor



minha primeira e única esposa 
fez uma pintura
e falou para mim
sobre ela:
"É tudo tão doloroso
para mim, cada pincelada é
dor...
um erro e
todo o quadro é
arruinado...
você nunca vai entender a
dor ... "


"olha, querida," eu
disse, "por que você não faz algo fácil
algo que você gostaria de
fazer? 


"ela apenas olhou para mim
e eu acho que foi a sua
primeira compreensão da
tragédia de ficarmos
juntos.


tais coisas normalmente
começam
em algum lugar.



Original aqui

A música suave



vence o amor porque nela não há
feridas: pela manhã
a mulher liga o rádio, Brahms ou Ives
ou Stravinsky ou Mozart. ferve os
ovos contando em voz alta os segundos: 56,
57, 58... descasca os ovos, os traz
para mim na cama. depois do café da manhã é
a mesma cadeira e ouvir a música
clássica. A mulher está no seu primeiro copo de
scotch e no seu terceiro cigarro. digo-lhe
que preciso ir ao hipódromo. ela
está aqui há 2 noites e 2 dias. “quando
voltarei a vê-la?” pergunto. ela
sugere que fique a meu critério.
aceno com a cabeça e Mozart toca.




Encômios



após a morte
exageramos as boas qualidades de alguém,
nós as inflamos.
durante a vida
frequentemente sentimos repulsa pela mesma pessoa
enquanto falamos com ela ao telefone
ou só de estar no mesmo aposento.
e frequentemente criticamos o jeito como
andam, falam, vestem-se
vivem
creem.
mas é só morrerem
então que criaturas elas
se tornam.
se apenas em uma cerimônia fúnebre
alguém dissesse,
“que indivíduo odioso
esse aí foi!”
que em meu funeral
haja só um pouco de verdade,
e depois a boa e limpa
poeira.



Luz quente



sozinho
esta noite
nesta casa,
sozinho com
6 gatos
que me contam
sem
esforço
tudo que
para saber.



Para os 18 meses de Marina Louise



sol sol
é minha pequena
menina
sol
no tapete -
sol sol
saindo pela
porta
colhendo uma
flor
esperando que eu
me levante
para brincar.
um velho
emerge
de sua
cadeira,
castigado de batalha,
e ela olha
e só

amor, no que eu
me transformo
por meio de sua
majestade
de seu infinito
e mágico
sol.


Estar sozinho



quando você pensa em quantas vezes
tudo dá errado
você começa a olhar para as paredes
e permanece lá dentro
porque as ruas são o
mesmo filme antigo
e todos  os heróis acabam como
o velho herói do filme:
bunda gorda, cara gorda e o cérebro
de um lagarto.

não é de admirar que
um homem sábio irá
escalar uma montanha de 10.000 pés
e sentar-se lá esperando
e vivendo de baga de arbusto
em vez de apostar em duas covinhas dos joelhos
que certamente não vão durar a vida inteira
e 2  em cada 3 vezes
não sobreviverá por uma noite.

montanhas são difíceis de escalar.
as paredes são suas amigas.
conheça suas paredes.

o que eles nos deram lá fora
é algo que mesmo as crianças
se cansaram.

Permaneça com suas paredes.
elas são o amor mais verdadeiro.

construa onde ninguém constrói.
é o último caminho que resta.



Estou amando



ela é jovem, ela disse,
mas olhe pra mim,
tenho tornozelos bonitos,
e olhe para os meus pulsos, tenho pulsos
bonitos
ah meu deus,
eu pensei que tudo estava dando certo,
e agora é ela de novo,
toda vez que ela liga você pira,
você me disse que tinha acabado
você me disse que tinha terminado,
escuta, já vivi tempo suficiente para me tornar
uma boa mulher,
por que você precisa de uma mulher má?
você precisa ser torturado, não?
você acha que a vida é podre se alguém te tratar
mal tudo se encaixa,
não é?
me fala, é isto? você quer ser tratado como
merda?
e o meu filho, meu filho ia te conhecer.
eu contei para o meu filho
e deixei todos os meus amantes.
eu fiquei parada num café e gritei
ESTOU AMANDO,
e agora você me faz de idiota...
me desculpe, eu disse, me desculpe mesmo.
me abraça, ela disse, me abraça por favor?
nunca estive numa coisa dessas antes, eu disse,
nesses triângulos...
ela se levantou e acendeu um cigarro, estava tremendo toda. 
ela começou a andar sem parar, histérica e louca. ela tinha 
um corpo pequeno. seus braços eram finos, muito finos e 
quando ela gritou e começou a me bater eu segurei seus pulsos 
e então eu vi bem dentro dos olhos: ódio, há séculos puro e 
profundo. eu estava errado e sem graça e me sentindo mal. 
tudo que eu tinha aprendido tinha sido desperdiçado.
não havia um ser vivo mais desprezível do que eu
e todos os meus poemas eram


Uma para o velho amigo



ele era apenas um
gato
vesgo,
um branco sujo
de olhos azul-claros

não vou te incomodar com sua
história
só dizer
que ele teve muito azar
e era um bom e velho
companheiro
e ele morreu
como as pessoas morrem
como os elefantes morrem
como os ratos morrem
como as flores morrem
como as águas evaporam e
os ventos param de soprar

o pulmão parou de funcionar
na segunda-feira.
agora ele está no canteiro
de rosas
e eu escuto uma
marcha inspiradora
tocando pra ele
dentro de mim
que eu sei
que nem tantos
mas alguns de vocês
iriam gostar de
saber
a respeito.

é
isso.



Estilo



estilo é a resposta para tudo –
um novo jeito de encarar algo estúpido ou
perigoso.
é preferível fazer algo estúpido com estilo
do que fazer algo perigoso
sem estilo.

Joana d’Arc tinha estilo
João Batista
Cristo
Sócrates
César,
García Lorca.

estilo é o que faz a diferença,
um jeito de realizar,
um jeito de estar realizado.

6 garças paradas numa lagoa
ou você saindo nua do banheiro
sem me
ver.



Então você quer ser escritor?


se não estiver explodindo em você
apesar de tudo,
não faça.
a não ser que saia espontâneo de seu
coração e de sua mente e de sua boca
e de suas entranhas,
não faça.
se você tiver que passar horas
encarando a tela do computador
ou encurvado sobre sua
máquina de escrever
procurando palavras,
não faça.
se você estiver fazendo isso por dinheiro ou
fama,
não faça.
se você estiver fazendo isso porque deseja
mulheres em sua cama,
não faça.
se você tiver que sentar ali e
reescrever mais uma vez e mais uma vez,
não faça.
se der o maior trabalho só de pensar em fazer,
não faça.
se você estiver tentando escrever como outra
pessoa,
esqueça.
se você tiver que esperar até isso rugir em
você,
então espere com paciência.
se isso nunca rugir em você,
faça outra coisa.
se você tiver que ler primeiro para sua esposa
ou para sua namorada ou para seu namorado
ou para seus pais ou para qualquer um,
você não está pronto.
não seja como tantos escritores,
não seja como tantas milhares de
pessoas que se dizem escritores,
não seja chato e estúpido e
pretensioso, não se deixe consumir pela
vaidade.
as bibliotecas do mundo
bocejam até
dormir
sobre tipos assim.
não aumente isso.
não faça.
a não ser que saia de
sua alma como um foguete,
a não ser que ficar parado te
leve à loucura ou
ao suicídio ou assassinato,
não faça.
a não ser que o sol dentro de você esteja
queimando suas vísceras,
não faça.
quando for realmente o momento,
e se você for escolhido,
isso irá acontecer por
conta própria e continuará acontecendo
até você morrer ou isso morrer em
você.
não há outro jeito.
e nunca houve outro.



Coração e mente



inexplicavelmente estamos sós 
sós para sempre 
e era pra ser
desse jeito, 
não era pra ser 
jamais de outro jeito – 
e quando a luta com a morte 
começar 
a última coisa que quero ver 
são 
rostos de pessoas rodeando 
sobre mim – 
melhor apenas meus velhos amigos, 
as minhas próprias muralhas, 
que apenas eles estejam lá.

eu fui só mas raramente 
solitário. 
saciei minha sede 
na fonte 
que há em mim mesmo
e este foi um bom vinho, 
o melhor que já provei, 
e essa noite 
sentado 
olhando pra escuridão 
agora finalmente compreendo 
a escuridão e a 
luz e tudo que há 
entre elas.

chega uma paz no coração 
e na mente 
quando aceitamos o que 
há: 
ao nascer 
nessa 
vida estranha 
nós temos que aceitar 
o desperdício de aposta que são os nossos 
dias 
e obter alguma satisfação no 
prazer de 
deixar isso tudo 
para trás.

não chore por mim.

não sofra por mim.

leia 
o que escrevi 
depois 
esqueça 
tudo.

beba da fonte 
que há em você 
e comece 
de novo.



Um poema é uma cidade



um poema é uma cidade cheia de ruas e esgotos
cheia de santos, heróis, pedintes, loucos,
cheia de banalidade e bebedeira,
cheia de chuva e trovão e períodos de seca,
um poema é uma cidade em guerra,
um poema é uma cidade perguntando ao relógio por quê,
um poema é uma cidade em chamas,
um poema é uma cidade rendida por armas
suas barbearias cheias de bêbados cínicos,
um poema é uma cidade onde Deus anda pelado
pelas ruas como Lady Godiva,
onde cães latem à noite e perseguem a bandeira;
um poema é uma cidade de poetas,
quase todos um tanto semelhantes
e invejosos e amargos…

um poema é uma cidade agora,
50 milhas de lugar nenhum,
9:09 da manhã,
o gosto de bebida e de cigarros,
sem polícia, sem amantes, andando pelas ruas,
este poema, esta cidade, as portas fechadas,
barricadas, quase vazia,
desolada sem lágrimas, envelhecendo sem pena,
as montanhas rochosas,
o oceano como uma chama de lavanda,
uma lua destituída de grandeza,
uma pequena música que vem das janelas quebradas…
um poema é uma cidade, um poema é uma nação,
um poema é o mundo…

e agora eu espeto isso sob o vidro
para o exame detalhado do editor maluco,
e a noite está em outro lugar
e frágeis damas cinzentas estão na fila,
cão segue cão até o estuário,
as trombetas trazem a forca
enquanto pequenos homens se gabam de coisas
que não podem fazer.



Sozinho com todo mundo

a carne sobre os ossos
e colocam uma mente
ali dentro e
algumas vezes uma alma,
e as mulheres quebram
vasos contra as paredes
e os homens bebem
demais
e ninguém encontra o
par ideal
mas seguem na
procura
rastejando para dentro e para fora
dos leitos.
a carne cobre
os ossos e a
carne busca
muito mais do que mera
carne.

de fato, não há qualquer
chance:
estamos todos presos
a um destino
singular.

ninguém nunca encontra
o par ideal.

as lixeiras da cidade se completam
os ferros-velhos se completam
os hospícios se completam
as sepulturas se completam

nada mais
se completa.




Uma para o velho amigo



ele era apenas um
gato
vesgo,
um branco sujo
de olhos azul-claros

não vou te incomodar com sua
história
só dizer
que ele teve muito azar
e era um bom e velho
companheiro
e ele morreu
como as pessoas morrem
como os elefantes morrem
como os ratos morrem
como as flores morrem
como as águas evaporam e
os ventos param de soprar

o pulmão parou de funcionar
na segunda-feira.
agora ele está no canteiro
de rosas
e eu escuto uma
marcha inspiradora
tocando pra ele
dentro de mim
que eu sei
que nem tantos
mas alguns de vocês
iriam gostar de
saber
a respeito.

é
isso.


A índole da multidão



Há tanta traição, ódio,
violência,
Absurdo no ser humano
comum
capaz de suprir qualquer exército em qualquer
ocasião.

E Os Que Melhor Assassinam São Os
Que Pregam Contra Isso.
E Os Que Melhor Odeiam São Os
Que Pregam O AMOR
E OS MELHORES NA GUERRA
– NO FINAL – SÃO OS QUE
PREGAM
A PAZ

Os Que Pregam DEUS
PRECISAM De Deus
Os Que Pregam A PAZ
Não Têm Paz.

OS QUE PREGAM O AMOR
NÃO TÊM AMOR
CUIDADO COM OS PREGADORES
Cuidado Com Os Entendidos.

Cuidado
Com Os Que
Estão SEMPRE
LENDO
LIVROS

Cuidado Com Os Que Ou Detestam
A Pobreza Ou Que Dela Se Orgulham
CUIDADO Com Os Ávidos Por Elogiar
Pois Eles Precisam Do ELOGIO De Volta
CUIDADO Com Os Ávidos Por Censurar:
Eles Têm Medo Do Que
Não Conhecem

Cuidado Com Os Que Sempre Procuram
Multidões; Eles Não São Nada
Sozinhos

Cuidado
Com O Homem Comum
Com A Mulher Comum
CUIDADO Com Seu Amor
Seu Amor É Medíocre, Procura
A Média

Mas Há Índole Em Seu Ódio
Há Índole O Bastante Em Seu
Ódio Para Matar Você, Para Matar
Qualquer Um.

Não Desejando A Solidão
Não Compreendendo A Solidão
Eles Irão Se Esforçar Para Destruir
Qualquer Coisa
Que Se Diferencie
Da Sua Própria

Não Sendo Capazes
De Criar Arte
Eles Não Irão
Reconhecer Arte

Eles Irão Considerar Seu Fracasso
Como Criadores
Apenas Como Um Fracasso
Do Mundo

Não Sendo Capazes De Amar Plenamente
Eles Irão CONSIDERAR Teu Amor
Incompleto

E ENTÃO ELES IRÃO ODIAR
VOCÊ
E Seu Ódio Será Perfeito
Como Um Diamante Brilhando
Como Uma Faca
Como Uma Montanha
COMO UM TIGRE
COMO Cicuta

Sua Mais Afinada
ARTE"


O milagre



trabalhar com uma forma de arte
não significa
vadiar como uma solitária
de barriga cheia,
tampouco justifica grandeza
ou ganância, nem sempre 
seriedade, mas acho
que ela chama os melhores
em sua melhor fase,
e quando eles morrem
e algo mais não,
presenciamos o milagre da imortalidade:
homens vêm como homens,
partem como deuses – 
deuses que nós sabíamos aqui,
deuses que enfim nos fazem continuar
quando tudo o mais dizia parar.

Algumas pessoas



algumas pessoas nunca enlouquecem. 
eu, às vezes fico deitado atrás do sofá 
por 3 ou 4 dias. 
é lá que vão me encontrar. 
é um Anjo, eles dirão, e 
jogam vinho na minha goela 
esfregam meu peito 
espalham óleos em mim. 

aí, eu levanto urrando, 
berrando de raiva – 
amaldiçoo eles e o universo 
enquanto expulso eles do 
gramado. 
eu me sinto bem melhor, 
me sento para uma torrada com ovos, 
cantarolo uma pequena melodia, 
de repente fico tão amável quanto uma 
baleia 
rosa empanturrada. 

algumas pessoas nunca enlouquecem. 
mas que vida de merda 
elas devem levar.


Se aceitássemos



se aceitássemos o que podemos ver –
as máquinas nos enlouquecendo,
amantes por fim odiando;
este peixe no mercado
olhando fixo pra dentro de nossas mentes;
flores apodrecendo, moscas presas na teia;
tumultos, rugidos de leões enjaulados,
palhaços apaixonados por notas de dinheiro,
nações movendo pessoas como peões;
ladrões à luz do dia da beleza
noturna de esposas e vinhos;
as cadeias lotadas,
os desempregados habituais,
a grama morrendo, fogos baratos;
homens velhos o suficiente para amar a sepultura.

Estas coisas, e outras, em essência
mostram a vida girando sobre um eixo podre.

Mas eles nos deixaram um pouco de música
e um espetáculo estimulante na esquina,
uma dose de uísque, uma gravata azul,
um pequeno livro de poemas de Rimbaud,
um cavalo correndo como se o diabo estivesse
torcendo seu rabo
sobre a grama e gritando, e então,
o amor novamente
como um bonde dobrando a esquina
bem na hora,
a cidade esperando,
o vinho e as flores,
a água caminhando sobre o lago
e verão e inverno e verão e verão
e inverno novamente.



Não podemos



não podemos
vencer
sabemos que não podemos
vencer
fazer certo e
vencer
fazer errado e
vencer

alguma outra pessoa irá
vencer

é o que acontecerá

mas aceitar isso é
impossível

como um gato que uma vez vi ser morto e
esfolado ante meus
olhos

e os rostos
humanos
assistindo.



Do jeito que é agora



te digo
já vivi com algumas mulheres deslumbrantes
e estava tão enfeitiçado por aquelas
lindas criaturas que
minhas sobrancelhas tremiam.

mas eu preferia dirigir até Nova Iorque
de marcha-ré
do que viver com qualquer uma delas 
de novo.

a próxima estupidez clássica
será a história
daqueles caras
que herdaram meu legado
feminino.

no caso deles
assim como no meu
eles descobrirão
que a loucura 
é causada por não
ficar tempo o suficiente
sozinho.