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Canção de amor invertida




eu poderia desmanchar 90 montanhas aos berros
até torná-las menos que pó
se apenas um ser humano tivesse olhos na cabeça
e coração no corpo,
mas não há chance.
rato com rato cão com cão porco com porco,
ouça o piano bêbado,
perceba o mito da misericórdia
fique quieto
pois até a voz de uma criança rosna
e nós não fomos enganados,
foi só porque quisemos acreditar. 





As massas




todas as pessoas solitárias, amargas e miseráveis que 
se sentem menosprezadas, traídas pelas forças, elas 
culpam a vida, as 
circunstâncias, culpam os outros quando de fato 
elas 
são totalmente insossas, obedientes à sua falta de originalidade, 
covardes e plácidas, seguem se sentindo enganadas, 
infestando a terra 
com suas lamúrias, com seus ódios – 
embotadas no centro de lugar nenhum, esses milhões 
de erros 
humanos, indo dia após dia e noite após noite através 
de seus movimentos castrados, 
acabam por ferir a própria terra, ferir todas as coisas, 
este desperdício 
o horror de todo esse 
desperdício. 





As pessoas, não




espantoso! tamanha determinação nos
chatos e sem inspiração
e os copiadores
eles nunca perdem a firme gratidão
por sua insignificância,
nem esquecem de rir
das piadas dos retardados;
como estudo de sentidos diluídos
eles fariam qualquer faraó
engasgar-se com seus colhões;
na música eles preferem a monotonia das
torneiras pingando;
no amor e sexo eles preferem uns aos outros
e assim compõe o
problema;
a energia com que impelem sua
inutilidade
(sem desconfiarem de nada)
rumo a objetivos que nada valem
é tão magnífica quanto
bosta de vaca.
eles produzem narrativas, crianças, morte,
rodovias, cidades, guerras, prosperidade, pobreza,
políticos
e áreas totais de grandioso desperdício;
é como se o mundo todo estivesse enrolado em
ataduras sujas.

é melhor fazer caminhadas tarde da
noite.
é melhor fazer seus negócios apenas às
segundas e
terças-feiras.
é melhor ficar em um quartinho
com as cortinas fechadas
e
esperar.

os homens mais fortes são a minoria
e as mulheres mais fortes morrem sozinhas
também.




Você não pode passar à força pelo buraco da agulha




rasgar poemas é minha
especialidade.
em uma noite
sou capaz de escrever entre 5 e uma
dúzia
sentindo-me muito bem com relação a
todos
eles.

no dia seguinte
à luz da manhã
fria
eu os encaro de
novo:
alguns têm
quando muito
apenas um verso decente
ou dois.

rasgar e mandar para a cesta
esses fracassos
é puro
prazer.

há alguns
dias
em que todos eles
se vão.

o poema dificilmente é o
centro da nossa
existência
embora tenha havido muitos
poetas
que sentiam
assim.

sejam quem forem,
os deuses não são
bobos.
eles devem rir
e admirar-se
da nossa febre
por fama.




Um final plausível




deveria haver algum lugar para onde ir
quando você não consegue mais dormir
ou você cansou de ficar bêbado
e a erva não funciona mais,
e não me refiro a passar
para o haxixe ou cocaína,
eu me refiro a um lugar para ir além
da morte que está esperando
ou do amor que não funciona
mais.

deveria haver algum lugar para onde ir
quando você não consegue mais dormir
além de um aparelho de TV ou um filme
ou comprar um jornal
ou ler um romance.

é não ter esse lugar para onde ir
que cria as pessoas agora nos hospícios
e os suicídios

e suponho que aquilo que a maioria das pessoas faz
quando não há mais lugar algum para onde ir
é ir a qualquer lugar ou fazer qualquer coisa
que dificilmente as satisfaça,
e esse ritual tende a aplainá-las
até que consigam prosseguir de algum modo
mesmo sem esperança.

essas caras que você vê todos os dias nas ruas
não foram criadas
inteiramente sem
esperança: seja generoso com elas:
assim como você
elas não
escaparam.




O mais forte dos estranhos




você não os verá com frequência
porque onde quer que a multidão esteja
eles
não estão.

estes estranhos, não
muitos
mas do meio deles
vêm
as poucas
boas sinfonias
os poucos
bons livros
e as outras
obras.

e do meio dos
melhores
entre os estranhos
talvez
nada.

eles são
suas próprias
telas
seus próprios
livros
sua própria
música
suas próprias
obras.

às vezes acho
que posso
vê-los - vamos dizer
um certo
velho
sentado num
certo banco
de uma certa
maneira

ou
o vislumbre de uma face
que se volta em outra
direção
em um automóvel
que passe

ou
em um certo mover
de mãos
de um empacotador ou em-
pacotadora
enquanto guarda
as compras
do supermercado.

às vezes
é alguém mesmo
com quem você tem
vivido por
algum
tempo -
você notará
um
rápido e luminoso
lampejo
nunca visto
neles
anteriormente.

às vezes
você só notará
suas
existências
subitamente
em
vívida
recordação
alguns meses
alguns anos
depois que eles tiverem
ido.

lembro
de um
deles -
ele tinha cerca de
vinte anos
bêbado às
dez da manhã
olhando para
um espelho
quebrado em
Nova Orleans
o rosto sonhador
contra as
paredes
do mundo

para
onde eu
fui?





Minha própria triste história




este é um modo terrível de viver:
cercado pelos
sempre-
irados,
desalmados e
alucinados.

mas minhas experiências de juventude foram
muito parecidas.

eu deveria ter-me ajustado a isso
nessa altura.

desde meu raivoso e furioso
e mesquinho pai
até

o montão de mulheres
que veio depois
todas elas consumidas pela
depressão,
raiva inútil,
gritaria e
piedade de si
sem
sentido.

felicidade e simples alegria
pareciam a todas elas serem
apenas doenças a
erradicar.

minha própria
história:
este modo terrível de
viver.

mas sinto que agora agarrei
a vitória
sobre toda essa inútil
negra e furiosa
histeria.

sobrevivi a tudo
isso e
podem me dar porradas com suas
vidas raivosas e
me queimar em meu
leito de morte.

mas de algum modo
encontrei uma paz
perpétua
que nunca conseguirão
tirar
de mim.



Causa e efeito



Os melhores sempre morrem por suas próprias mãos
apenas para ficarem livres,
e aqueles que ficaram
nunca conseguirão entender
porque alguém
iria querer
se livrar
deles.

Bem, é assim que é...




às vezes quando tudo parece estar no
fundo do poço
quando tudo conspira
e atormenta
e as horas, os dias, as semanas
os anos
parecem desperdiçados -
estirado ali na minha cama
no escuro
olhando para o teto
recaio em algo que muitos considerariam
um pensamento repugnante:
ainda é bom ser
Bukowski.




Escuridão





a escuridão cai sobre a Humanidade
e os rostos se tornam coisas
terríveis
que queriam mais do que
havia.

todos os nossos dias são amrcados por
afrontas
inesperadas - algumas
desastrosas, outras
menos
mas o processo é
desgastante e
contínuo.
o atrito é a norma.
a maioria cede
o lugar
deixando 
espaços vazios
onde deveriam existir 
pessoas.

nossos progenitores, nossos
sistemas educacionais, a 
terra, a mídia, o
modo

iludiram e desencaminharam as
massas: elas foram derrotadas pela aridez do
sonho
efetivo.

elas 
ignoravam que
a conquista ou a vitória ou
a sorte ou
seja lá como você
quiser chamar
por certo
tem 
suas derrotas.

somente o reencontro e
o ir em frente
é que conferem substância
a qualquer magia
possivelmente
derivada.

e agora
quando estamos prontos para nos autodestruir
resta muito pouco para matar

o que torna a tragédia 
menor e maior
bem bem
maior.




O cadarço




uma mulher, um
pneu furado, uma
doença, um
desejo; medos na sua frente,
medos que se seguram tão firme
que você pode estuda-los
como peças em um
tabuleiro de xadrez...
não são as coisas grandes que
mandam um homem para o
manicômio. para a morte ele está preparado, ou
assassinato, incesto, roubo, incêndio, inundação...
não, é a série contínua de pequenas tragédias
que mandam um homem para o
manicômio...
não a morte de seu amor
mas um cadarço que se arrebenta
sem tempo de sobra...
o pavor da vida
é essa multidão de trivialidades
que podem matar mais rápido do que cancer
e que sempre estão presentes –
emplacamentos ou impostos
ou uma carteira de motorista vencida,
ou contração ou demissão,
fazendo-os ou tendo-os feito a você, ou
constipação
multas de transito
formigas ou grilos ou ratos ou cupins ou
baratas ou moscas ou um
gancho quebrado em uma
rede, ou sem gasolina
ou com gasolina demais,
a pia entupiu, o senhorio está bebado,
o presidente não se importa e o governador está
louco.
interruptor quebrado, colchão como um
porco-espinho;
$105 por um ajuste, carburador e bomba de combustível na
Sears Roebuck;
e a conta de telefone subiu e o mercado
caiu
e a corrente da descarga está
quebrada,
e a luz está queimada –
a luz do salão, a luz da frente, a luz de trás,
a luz interior; está
mais escuro do que o inferno
e duas vezes mais
caro.
então há sempre chatos e unhas encravadas
e pessoas que insistem que são
seus amigos;
há sempre tudo isso e pior;
torneira vazando, Cristo e o Natal;
salame estragado, 9 dias de chuva,
abacates de 50 centavos
e língua de figado
roxeada.

ou fazendo-o
como uma garçonete do Norm’s na troca de turnos,
ou como um esvaziador de
penicos,
ou como um lava-rápidos ou um assistente de garçons
ou um ladrão de bolsas de velhinhas
deixando-as gritando nas calçadas
com braços quebrados aos 80
anos de idade.

subitamente
2 luzes vermelhas no seu retrovisor
e sangue na sua
cueca;
dor de dente, e $979 por um canal
$300 por um dente de
ouro,
e a China a Rússia e a América, e
cabelo longo e cabelo curto e 
cabelo nenhum, e barbas e sem
rostos, e um monte de zigzag mas sem sucesso
nenhum, exceto talvez por um cara mijando e 
o outro em volta das suas
tripas.

com cada cadarço arrebentado
de cem cadarços arrebentados,
um homem, uma mulher, uma
coisa
entra num
manicômio.

então cuidado
quando você
se curvar.

Publicado em 1971 na revista Half N' Half



Em outras palavras




os egípcios adoravam gatos
muitas vezes eram sepultados com eles
no lugar de suas mulheres
mas jamais com os cães

mas hoje
aqui
gente boa com
bons olhos
há bem pouca

mesmo assim belos gatos
com grande estilo
se espreguiçam
pelos becos
do universo

sobre
a nossa discussão essa noite
não interessa sobre
o que era
e
não importa
o quão triste
ela nos
deixou

lembre-se que
existe
um gato
em algum lugar
se ajustando
ao seu próprio espaço
com uma graça
encantadora

em outras palavras
a magia continua
sem nós
não importa o quê
possamos fazer
para estragar isso.







Alguma coisa



estou sem fósforos.
as molas de meu sofá
estouraram.
roubaram minha maleta.
roubaram minha tela a óleo de
dois olhos rosados.
meu carro quebrou.
lesmas escalam as paredes de meu banheiro.
meu coração está partido.
mas as ações tiveram um dia de alta
no mercado.




Meu último inverno



vejo essa última tempestade como nada muito sério aos olhos
do mundo;
há tantas coisas mais importantes para se preocupar e
para pensar.

vejo essa última tempestade como nada muito especial aos olhos
do mundo
e ela não deveria ser considerada especial.
outras tempestades foram bem maiores, mais dramáticas.
vejo essa última tempestade se aproximando e minha mente espera
tranquilamente.

vejo essa última tempestade como nada muito sério aos olhos
do mundo.
na maioria dos assuntos, eu e o mundo raramente
concordamos mas
agora nós podemos concordar.
então que venha ela, que venha essa última tempestade.
eu, pacientemente, já esperei demais.





Realização




ela se disciplinou em
raiva
ódio e estratégias
do engodo.

sempre achei que isso iria
passar finalmente
e que ela estava obcecada por
equívocos e maus
conselhos.

sempre achei que iria
passar.

escutei as acusações contra mim
sabendo que algumas delas eram verdadeiras
mas certamente não
tão importantes
a ponto de se tornarem o alvo de
violência, inveja,
vingança.

achei que certamente
passaria.

eu não organizei nenhuma
defesa
achando que a simples
razão
iria salvar a nós
dois
mas sua determinação
se reforçou - 
e até mesmo então
eu resumi aquilo como uma teimosa
e excessiva
energia.

mas a cada vez que eu cedia
mais espaço era
ocupado.

senhor, eu pensei, é apenas simples
violência.

e assim eu conduzi meu cavalo
para fora do estábulo
afiei minhas facas e
comecei um
contra-ataque.

ela finalmente havia achado
um adversário tão bom quanto
poderia ser achado.

sua determinação provocou sua própria
destruição.

ela havia encontrado seu
páreo
eu montei em meu corcel
espada em riste
em riste até para o sol.

ela sempre quis guerra
eu cumpriria seu desejo
e agora dane-se o amor
assim como o amor foi amaldiçoado quando
veio pela primeira vez.

agora minha hesitação
iria embora
para sempre

e o sangue
iria correr

o dela e o meu

assim como ela desejava.




Velho limpo



daqui a
uma semana farei
55.

sobre o que
escreverei
quando ele não
levantar mais
pela manhã?

meus críticos
vão adorar
quando a minha diversão
passar a ser
tartarugas
e estrelas-do-mar.

chegarão inclusive a
dizer
coisas boas sobre
mim

como se eu tivesse
finalmente
alcançado a
razão.




Como você não está fora da lista?

os homens ligam e me perguntam isto.

você é realmente Charles Bukowski
o escritor?

sou escritor de vez em quando, eu digo,
na maior parte do tempo eu não faço nada.


escute, eles dizem, eu gosto das suas
coisas – se importa se eu aparecer aí
com uma dúzia de latinhas?

você pode trazê-las, eu digo
desde que não entre...

quando as mulheres ligam, eu digo,
ó, sim, escrevo, sou um escritor
apenas não estou escrevendo nada neste exato momento.

me sinto tola ligando para você,
elas dizem, e fiquei surpresa
de achar seu nome na lista telefônica.

tenho meus motivos, eu digo,
a propósito, por que você não aparece
pra tomar uma cerveja?

você não se importaria?

e elas chegam
mulheres lindas
boas de corpo e mente e olho.

frequentemente não há sexo
mas estou acostumado
ainda assim é bom
bom demais apenas olhar para elas...
e em alguns raros momentos
tenho uma maré inesperada de sorte
para variar.

para um homem de 55 que não transou
até os 23
e não muitas vezes mais até os 50
creio que deva continuar listado
na Pacific Telephone
até conseguir o mesmo número de mulheres
que os homens normais conseguiram.

claro, terei que continuar
escrevendo poemas imortais
mas a inspiração está lá.




Nisto



nisto, cresce a palavra de flecha;
nos dói dos pés à cabeça um simples terror
conforme andamos por uma simples rua
e vemos onde os tanques o empilharam:
rostos passam correndo, maçãs vivem com larvas
por um abraço de amor; ou lá fora –
onde os marinheiros se afogaram, e o mar
o lançou à praia, e o seu cão farejou
e correu como se o traseiro tivesse sido mordido
pelo diabo.

nisto, digamos que Dylan chorou
ou Ezra rastejou com Muss
por tênues horas italianas
enquanto meu belo cão marrom
esquecia o diabo
ou catedrais balançando no tiroteio da luz solar,
e encontrava o amor facilmente
na rua lá fora.

nisto, é verdade: aquilo que cria o ferro
cria rosas cria santos cria estupradores
cria o apodrecimento de um dente e uma nação.

nisto, um poema poderia ser ausência de palavra
a fumaça que outrora subiu para empurrar dez toneladas de aço
jaz agora rasa e calada na mão de um engenheiro.

nisto, eu vejo o Brasil no fundo do meu copo.
eu vejo beija-flores – como moscas, dezenas deles –
presos numa rede dourada. DIABO!!! – eu morri em Palavras
como um homem sob um narcótico de ralo néctar!

nisto, como azul através de azul sem sonhos de bacanal
onde os tanques o empilharam, garotões jogam bilhar,
olhos de elfo através da fumaça e na espera:
RACHA E BOLAS, ISSO É TUDO, NÃO É?

e cursos sobre literatura definitiva.



Esta noite



“seus poemas sobre as garotas ainda estarão por aí
daqui a 50 anos quando as garotas já tiverem ido”,
meu editor me telefona.

caro editor:
parece que as garotas já se
foram.

entendo o que o senhor diz

mas me dê uma mulher verdadeiramente viva
nesta noite
cruzando o piso em minha direção

e o senhor pode ficar com todos os poemas

os bons
os maus
ou qualquer outro que eu venha a escrever
depois deste.

entendo o que o senhor diz.

O senhor entende o que eu digo?



Foda



ela tirou o vestido
por sobre a cabeça
e eu vi a calcinha
um tanto enterrada em suas
carnes.

é simplesmente humano.
agora teremos que fazê-lo.
eu terei que fazê-lo
depois de todo esse logro.
é como uma festa –
dois idiotas
numa cilada.

debaixo dos lençóis
depois que apaguei
as luzes
suas calcinhas ainda estavam
ali. ela esperava um
número introdutório.
eu não podia culpá-la. mas sim
me perguntar por que ela estava ali
comigo? onde estão os outros
caras? como você pode se julgar
sortudo tendo alguém que
outros abandonaram?

não precisávamos fazer aquilo
embora tivéssemos que fazê-lo
era algo como
renovar o crédito
com o homem do imposto de
renda. tirei a calcinha.
decidi não usar
a língua. ainda assim
pensava no momento
em que tudo estivesse terminado.

dormiremos juntos
esta noite
tentando nos acomodar
entre os papéis de parede.

tento, falho,
reparo no cabelo em sua
cabeça
mais do que tudo reparo no cabelo
em sua
cabeça
e de relance em
suas narinas
de porquinho

tento
novamente.



Nascido dentro disso


nascido como isso
dentro disso
enquanto faces de giz sorriem
enquanto a Sra. Morte gargalha
enquanto as paisagens políticas se dissolvem
enquanto o garoto das sacolas no supermercado segura um diploma universitário
enquanto o peixe oleoso cospe fora suas presas oleosas
enquanto o sol se esconde

nós 
nascemos como isso
dentro disso
dentro de guerras cuidadosamente insanas
dentro da visão das janelas quebradas da fábrica do vazio
dentro de bares onde as pessoas não mais conversam umas com as outras
dentro de brigas de punhos que terminam em tiros e facadas

Já vi mendigos demais com os olhos vidrados bebendo vinho barato debaixo da ponte



você se senta comigo
no sofá
nesta noite
nova mulher.

você já viu os
documentários
sobre animais carnívoros?

eles mostram a morte.

e agora me pergunto
que animal entre
nós dois
devorará
primeiro o outro
física e
por fim
espiritualmente?

nós consumimos animais
e então um de nós
consome o outro,
meu amor.

enquanto isso
prefiro que você vá
primeiro e do primeiro jeito

se os gráficos de performance passadas
significarem alguma coisa
eu certamente irei
primeiro e do último
jeito.



Um poema para o engraxate



o equilíbrio é preservado pelas lesmas que escalam os
rochedos de Santa Mônica;
a sorte está em descer a Western Avenue
enquanto as garotas numa casa de
massagem gritam para você, “Alô, Doçura!”
o milagre é ter 5 mulheres apaixonadas
por você aos 55 anos,
e o melhor de tudo isso é que você só é capaz
de amar uma delas.
a bênção é ter uma filha mais delicada
do que você, cuja risada é mais leve
que a sua.
a paz vem de dirigir um
Fusca 67 azul pelas ruas como um
adolescente, o rádio sintonizado em O Seu Apresentador
Preferido, sentindo o sol, sentindo o sólido roncar
do motor retificado
enquanto você costura o tráfego.
a graça está na capacidade de gostar de rock,
música clássica, jazz...
tudo o que contenha a energia original do
gozo.

e a probabilidade que retorna
é a tristeza profunda
debaixo de você estendida sobre você
entre as paredes de guilhotina
furioso com o som do telefone
ou com os passos de alguém que passa;
mas a outra probabilidade –
a cadência animada que sempre se segue –
faz com que a garota do caixa no
supermercado se pareça com a
Marilyn
com a Jackie antes que levassem seu amante de Harvard
com a garota do ensino médio que sempre
seguíamos até em casa.
lá está a criatura que nos ajuda a acreditar
em alguma coisa além da morte:
alguém num carro que se aproxima
numa rua muito estreita,
e ele ou ela se afasta para que possamos
passar, ou se trate do velho lutador Beau Jack
engraxando sapatos
após ter queimado todo seu dinheiro
em festas
mulheres
parasitas
bufando, respirando junto ao couro,
dando um trato com a flanela
os olhos erguidos para dizer:
“mas que diabos, por um momento
tive tudo. isso compensa todo o
resto.”

às vezes sou amargo
mas no geral o sabor tem sido
doce. é apenas que tenho
medo de dizê-lo. é como
quando sua mulher diz,
“fala que me ama”, e
você não consegue.

se você me vir sorridente
em meu Fusca azul
aproveitando o sinal amarelo
dirigindo firme em direção ao sol
estarei mergulhado nos
braços de uma
vida insana

pensando em trapezistas de circo
em anões com enormes charutos
num inverno na Rússia no início dos anos 40
em Chopin com seu saco de terra polaca
numa velha garçonete que me traz uma xícara
extra de café com um sorriso
nos lábios.

o melhor de você
me agrada mais do que pode imaginar.
os outros não importam
excetuado o fato de que eles têm dedos e cabeças
e alguns deles olhos
e a maioria deles pernas
e todos eles
sonhos e pesadelos
e uma estrada a seguir.

a justiça está em toda parte e não descansa
e as metralhadoras e os coldres e
as cercas vão lhe dar prova
disso.